OS PRIMEIROS PASSOS
Sentamo-nos, a Clarividente e eu, aproveitando uma pausa de nossos trabalhos mediúnicos.
A noite se alongava na madrugada quieta do Vale do Amanhecer, e vacilávamos em nos entregar ao repouso, face às inquietações trazidas do mundo invisível, resíduos naturais das centenas de pessoas que haviam passado por nós em busca de socorro espiritual.
- Em 1960, – dizia ela a, respeito do seu quadro espiritual e missionário – sim, em 1960, eu não tinha uma conduta moral adequada ao meu quadro mediúnico, embora minha clarividência fosse tão grande como agora.
Apesar das advertências de meus Mentores, aos quais dava pouca atenção, pensava que caridade era revelar tudo o que ouvisse do passado ou do futuro das pessoas que me procuravam. Não tinha qualquer preocupação ou escrúpulo com o que essas revelações pudessem trazer a elas, ainda que fosse a loucura. Já havia feito meu juramento espiritual, no qual penhorara meus olhos ao Cristo em prol da verdade, e julgava que isso bastasse.
Interrompi a narrativa:
- Mas, isso era assim tão mau?
- Com essa atitude, as pessoas saíam de perto de mim pior do que quando chegavam! Fui, então, colocada ao lado de um vidente, não clarividente, tão irresponsável quanto eu na ocasião.
- Percebo. – disse eu – Não tinha remorsos por impressionar assim as pessoas?
- Não, – respondeu – exatamente ao contrário. Devido ao juramento, julgava que era obrigada a dizer tudo, desde que dissesse a verdade.
E continuou:
- Certa vez fui a um psiquiatra, pois me julgava desequilibrada, e quase matei o pobre homem...
- Como?
- Enquanto ele me ouvia, procurando entender o meu caso, deparei com uma figura ao seu lado, que fazia gestos, chamando minha atenção, pois, como você sabe, eu vejo e ouço nos dois planos, simultaneamente. É como se me desdobrasse em duas ao mesmo tempo. Esse fenômeno, no princípio, me atordoava. Com o tempo, porém, consegui manter minha atitude coerente no mundo físico, como se nada estivesse vendo ou ouvindo. O fato é que o espírito de um senhor de certa idade insistia em dizer que era o pai do psiquiatra e que havia morrido há dois meses.
- E a senhora, o que fez?
- Não tive dúvidas, fui logo dizendo para o doutor: olhe, seu falecido pai está ao seu lado!
- Mas, – perguntei eu – não foi bom ter acontecido isso? A senhora não deu uma prova da existência do espírito?
- Não! Minha missão ali era a de receber o que o psiquiatra pudesse me dar, e não fazer uma demonstração de minhas qualidades mediúnicas. E, também, arrisquei muito. E se aquele espírito não fosse do pai dele e ele ainda fosse vivo? Quantas vezes os espíritos sofredores mistificam com perfeição, tomando a aparência das pessoas, dando endereços e indicações corroboradoras do que pretendem afirmar? Com a minha atitude eu já caminhava para a loucura e levava os que me cercavam para o mesmo caminho.
Fez uma pausa, e prosseguiu:
- Nesse tempo, fui procurada por uma senhora idosa, de aspecto doentio, que disse precisar de mim. Estava muito doente e não tinha recursos para procurar um médico. Eu morava no Núcleo Bandeirante, e estava pronta para ir ao Plano Piloto, tratar de meus negócios. Eram mais ou menos onze horas da manhã e, com receio de perder os encontros, pedi que ela me esperasse, e saí. Levei comigo meus dois filhos pequenos, que me ajudavam um pouco no ganha-pão cotidiano. Mergulhei nos negócios e esqueci da mulher. Absorvida em meus afazeres, não percebi o tempo passando. Havia almoçado com meus filhos e, subitamente, justo às três horas da tarde, percebi a presença, junto a mim, de um Guia, que me disse:
- Neiva, volte depressa para sua casa. Aquela mulher que você deixou à sua espera, esta manhã, está passando muito mal, e vai morrer. O seu pessoal, em casa, está apavorado, e não sabe o que fazer!
Assustei-me, mas, ao mesmo tempo, me senti revoltada com essa interferência indevida na minha vida. O Guia, porém, insistiu, acrescentando:
- Essa é sua cobradora, um espírito que foi sua vítima numa encarnação passada. Vá depressa!
Agastada com a insistência, respondi, sem perceber que falava no plano físico:
- Ela que morra! Não vou deixar minhas obrigações por fazer. Afinal, tenho que comer, não tenho? Tenho que ganhar dinheiro, não tenho? Não, não vou!...
Vendo que eu estava falando sozinha, meu filho, espantado, perguntou o que eu dissera, e tive que lhe explicar que estava falando com um espírito.
- Quem era? – perguntou ele.
Respondi, então, que o espírito de chamava Mãe Tildes, nome abreviado de Mãe Matildes. Nesse tempo, essa querida amiga do plano espiritual já estava ao meu lado.
- E a senhora foi? – perguntei.
- Não. – disse ela – Só cheguei em casa pelas seis horas da tarde. Encontrei o Jair, um dos meus irmãos de trabalho, a ponto de ficar louco, pois a mulher estava agonizante. Diante desse quadro, fiquei desesperada. Nisso, percebi a presença do Vovô Indu, o médico espiritual que nos assistia em assuntos de doença. Olhei, então, na minha clarividência, e compreendi que se tratava de um reajuste espiritual. Só assim me apercebi da minha responsabilidade. Aquela mulher, deitada na cama rústica, semimorta, iria agora desafiar o meu poder mediúnico! Naquele instante, fiquei na dependência da fé, nos fenômenos que até então me pareciam simples visões enganadoras.
Mãe Tildes, sem perda de tempo, começou a desenrolar o quadro de meu reajuste com a mulher. Enquanto isso, por sugestão dela, segurei as mãos da moribunda. Na minha aflição, concentrei-me no plano espiritual, sem perder o sentido no plano físico. Percebi que vários espíritos se movimentavam em torno da paciente, e ouvi Vovô Indu explicando que se tratava de um problema cardíaco.
No plano físico eu ouvi uma voz bem junto de mim dizer: Se essa mulher morrer, vai dar um “bode”!...
Senti o peso da responsabilidade sobre meus ombros. Tudo porque não quisera ouvir a voz amiga de Mãe Tildes! Se tivesse vindo logo, teria providenciado a remoção da mulher para o médico, enquanto havia tempo. Agora, o perigo era a mulher morrer ali em casa.
Avaliei minha posição e, então, pela primeira vez, prometi ao Pai Seta Branca que, dali em diante, obedeceria aos espíritos e procuraria amar as pessoas.
O quadro que Mãe Tildes desenrolava como se fosse um filme cinematográfico, continuou.
Mergulhei numa outra dimensão, no passado remoto, sem perder, nem por um momento, a noção do ambiente físico em que me encontrava.
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