A paciente do catre transformara-se numa bailarina negra que dançava seminua. O chão era de ladrilhos brilhantes, e altas colunas egípcias levantavam-se para o teto. Sua dança sinuosa, ao som da música sensual, era toda voltada para um homem que estava recostado em um sofá baixo. Seu aspecto era de nobreza e enfado. A música foi morrendo e os últimos passos da bailarina terminaram junto ao nobre espectador, a quem enlaçou num abraço coleante.
Ainda sem perder a noção do ambiente físico em que me encontrava, vi-me participando da mesma cena, e senti uma onda de ódio e ciúme subindo-me ao peito! Pelas vestes que eu envergava, percebia-me como uma nobre egípcia, e, num assomo de cólera, saquei um punhal de sob as vestes, e investi contra ela, cravando-o em suas costas! Com um grito estertorante, ela caiu de bruços, e morreu, entre golfadas de sangue que lhe saiam pela boca!
Impassível diante da cena sangrenta, o nobre do sofá me arrastou para ele e, juntos, brindamos àquele meu gesto, considerado de coragem. Vi alguns escravos que entraram e carregaram aquele corpo que, até há pouco, era uma promessa de vida e de prazer!
Ainda absorta naquela cena de alegria macabra, senti, subitamente, uma pesada mão no meu ombro e ouvi a voz da bailarina negra a me dizer:
- Voltarei um dia, e você me pagará!...
Na última cena que presenciei, vi-me na roupagem da nobre egípcia, com os olhos arregalados, como se fossem sair das órbitas, e, ao meu lado, o espírito da bailarina negra, Nicácia! Vivamente impressionada pelo que acabava de ver, voltei-me para Mãe Tildes, implorando socorro:
- Não entendo, minha Mãe, porque, de tantos crimes que já cometi em outras encarnações, conforme você já me disse, esse me horrorizou tanto!
Em vez de Mãe Tildes, quem me respondeu foi o mentor espiritual, Pajé:
- Seus crimes – disse ele – sempre tiveram um cunho impessoal, em enredos políticos e na tentativa de evoluir os outros. Este, porém, foi todo pessoal, e é por isso que Nicácia está, agora, nas suas mãos. Se salvá-la, você dará testemunho da sua missão, e aproveitará a única oportunidade de conseguir o perdão do crime cometido num momento de paixão.
Prometi, então, que dedicaria toda minha vida ao bem da verdade e da cura, e, mais uma vez, obriguei meus olhos ao Cristo.
Num instante me transportei para a Casa Transitória, e vi a equipe de médicos espirituais que cuidavam de Nicácia, perdendo, por momento, a consciência no plano físico. Vi que conversavam entre si, e pelo que diziam, fiquei sabendo que Nicácia teria que permanecer na Terra ainda por dois anos.
Voltei junto com os médicos, e retomei a consciência no modesto aposento. Estava ainda segurando as mãos da mulher, que voltava lentamente a si. Percebi que chorava, e perguntava pela filha, de nome Lídia.
Subitamente, vomitou um miasma repelente, salpicando-me a roupa. O ambiente se desanuviou e, aliviados, todos agradeceram a Deus e a Seta Branca, pelo restabelecimento da doente.
Exausta e abatida, abandonei a cena e refugiei-me na cabina do meu caminhão, onde chorei copiosamente, de dor física e moral.
Nicácia morreu do coração, dois anos depois!
A clarividente se calou. Lá fora, um galo cantou o prenúncio da madrugada fria. Despedi-me da missionária e encaminhei-me ao meu quarto. Estranho sentimento compungia-me o coração. Suas palavras e as cenas descritas estavam vivas nos meus sentimentos. Pensamentos cheios de conclusões cruzavam minha cabeça. Agora, percebia muita coisa que, antes, me passava despercebida. Atinava, então, porque a gente não entende uma clarividente quando é autêntica. Não basta ver o passado e o futuro. É preciso toda a responsabilidade, envolvimento e, principalmente, muito amor e dedicação...
Neste resto de noite dormi cheio de presságios. Amanhã, seria outro dia a ser dedicado aos meus irmãos...