segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sob os olhos da clarividente (13)




M  I  S  S  à O

A matrona era portadora de dois diplomas universitários e fumava longos cigarros. Não fora seus trajes, seria tomada por um velho professor. Sua voz abaritonada, ressaltada por um busto generoso, contribuía mais ainda para essa impressão. Preparei-me para uma agradável incursão no mundo da cultura e dos livros, justificada pelos títulos e pelo estabelecimento onde a ilustre senhora vivia sua vida profissional.
Após as amenidades iniciais, o assunto que ela trouxe à baila assustou-me. Sua preocupação era com um jovem que, dias antes, estivera no Vale. Desejava falar-me sobre ele. Pedia-me discrição sobre sua visita, que visava, apenas, o bem do rapaz. Agradou-me aquele interesse por ele. O rapaz, um belo espécimen da nossa época, procurara o Vale a fim de equilibrar certos problemas íntimos, e consultara a Clarividente no sábado anterior.
Apenas me assustara um pouco o fato daquela senhora não ser sua mãe, como supus a princípio, mas apenas uma colega de trabalho e amiga da família. O diálogo, educado e fino, aos poucos extravasou numa corrente de sentimentos frustrados, e ouvi, estarrecido, uma confissão de amor mal retribuído. Aos poucos, a figura portentosa e acadêmica transformou-se num pobre ser humano de pouca compostura, com um recorde de quase um maço de cigarros fumado em poucos minutos. Até a linguagem caiu no lugar-comum dos chavões e gírias. Várias vezes tentei interromper a cena desagradável e fora da minha área de atendimento, mas não consegui.
Quando ela terminou, levantou-se e saiu, chiando os pneus do carro vistoso numa violenta arrancada. Permaneci por algum tempo pensativo e chocado. Sempre ouvira falar de casos estranhos – Neiva os atendia constantemente – mas ela nunca nos dizia quem eram as pessoas, e sua discrição apenas nos fazia imaginar os personagens daqueles enredos bizarros. Este, porém, me afetara diretamente. Quando saí do meu estupor, fui procurar Neiva, e contei-lhe o acontecido. Ela me ouviu em silêncio e, quando acabei, ela se pôs a falar:
- É, Mário, a vida de um missionário é complexa e difícil. No meu trabalho de Clarividente e confidente, vivo entre impactos de consciência e decisões delicadas. Meus sentimentos são testados a todo momento e, às vezes, não sei se estou agindo pelo coração ou pela mente.
- Coração e mente!... Neiva, como você pode estabelecer a diferença entre o coração e a mente? No fundo, as duas coisas não são uma só?
- Não, Mário, vou explicar: se estou mediunizada, vejo analiticamente, analiso o problema junto com as entidades que me assistem. Meus sentimentos pela pessoa que me consulta ficam relegados a um segundo plano e, durante a entrevista, posso estabelecer diretivas coerentes com a realidade daquela pessoa. Vou ilustrar com um caso que aconteceu nesses dias, para que melhor me entenda. Fui procurada por uma senhora, de uns quarenta anos, de aspecto fútil. Júlia viera se queixar de sua vida e, segundo me disse, seu esposo era epiléptico e aposentado por um órgão público de Brasília. Disse que sofria muito com ele, e passava grandes dificuldades financeiras, pois ele ganhava muito pouco com sua aposentadoria. Nem bem acabara de falar, e vi que estava mentindo. Pelo quadro que se delineou na minha clarividência, o marido dela era um profissional de Eletrônica e ganhava um bom dinheiro, além da aposentadoria.
        - Diga-me, Neiva, – interrompi – você não se zanga quando as pessoas que a consultam mentem?
        - Não, Mário, eu não me zango. Apenas, fico com pena delas, pois percebo que mentem porque estão sofrendo muito, acreditam que são boas, e mentem para despertar maior comiseração, maior interesse. A desonestidade deles, nesse caso, só prejudica a eles mesmos, pois só são desonestos consigo mesmos. Tão pronto ela me “vendeu” a imagem de vítima de um marido infeliz, ela entrou no assunto que, realmente, a trouxera até mim, e que sua língua coçava para me falar. Dando à voz um tom confidencial, perguntou se o seu amante era sincero no amor por ela e se valeria a pena continuar enfrentando os riscos da descoberta deste amor clandestino.
- Isso me parece absurdo! – interrompi novamente – Uma Clarividente, em certo sentido, uma religiosa, se prestar a assuntos dessa natureza?
- Mário, Mário... Por acaso tenho o direito de julgar ou ser juiz de alguém? Conheço os caminhos cármicos. É lógico que tenho meu ponto de vista, e, graças a Deus, minha formação cristã é no íntimo de meu coração. Porém, minha mente preparada compreende e ama todos os que sofrem. Esses, os que se apresentam com deformidades morais ou psicológicas, são aos que dedico mais atenção. Sinto a vergonha de que estão possuídos pelos seus casos. É por isso que, antes de se abrirem, já começam a se justificar, como a mulher de que estou falando.
- E seu conselho, Neiva, em que sentido se orienta? Você sugere que deixem seus amores clandestinos?
- Não, Mário, elas não me pedem conselhos, e, sim, ajuda. E eu as ajudo em tudo o que me pedem, com todo o carinho. Esse é um ponto fundamental da Doutrina, como a praticamos aqui. Não nos compete julgar, pois cada um tem o seu carma, o seu destino e o conceito das coisas. Podemos ajudar uma pessoa com toda tranqüilidade, e deixar sua vida por conta dela mesma e de seus Mentores. O que não se pode é subordinar o auxílio espiritual a conceitos preestabelecidos da moral ou de como achamos que as coisas devam ser. Deixemos isso por conta de Deus e dos seres que criou. Mas, é lógico que a gente não age assim, com total indiferença ou vazia de preconceitos. Sou um ser humano, meu coração é atingido pelas vibrações, sinto simpatias ou antipatias, me irrito ou me alegro, conforme a pessoa ou o assunto. Às vezes, os problemas são tão complicados que as entidades não sabem que direção indicar, e como acontece muito, deixam por minha conta indicar um caminho ou outro. É nessas horas, Mário, que surge o problema do coração e da mente. Veja o caso dessa mulher. Do jeito como abordou o assunto, provocou-me, de imediato, antipatia e repugnância, mas reagi, e procurei ver seu quadro, vítima de seus próprios erros e deformações. Senti por ser ela o infeliz instrumento de evolução do esposo. Poderia, Mário, se quisesse me ver livre do problema, prometer ajudá-la e deixar que ela seguisse seu destino. Mas, minha mente reagiu, e lhe disse que trouxesse o esposo para me consultar. Ela foi embora, e, alguns dias depois voltou com o marido, chamado Moacir. Vi seu quadro, e o convidei para trabalhar mediunicamente. Ele se harmonizou conosco e, pouco tempo depois, ela veio me pedir para recebê-lo, aqui no Vale, como interno. De fato, ele apresentava um aspecto lastimável. Viciado em álcool, tinha crises horríveis de epilepsia. Depois de alguns dias de tratamento, verifiquei o quadro dele, e vi que a razão de sua embriaguez eram tremendos recalques, agravados pela epilepsia. Ele desabafou comigo. A esposa era um verdadeiro algoz. Casara-se com ela há treze anos. Era viúva, e tinha um casal de filhos, do primeiro casamento. As crianças eram revoltadas com ela, devido à maneira pela qual tratava o marido. Quando ele tinha os ataques, ela o maltratava e o humilhava. Aos poucos, ele foi se equilibrando. Tirei-lhe o hábito da bebida e ele rareou os ataques. Chegou o dia em que estava pronto para retomar sua vida. Era outro homem, saudável e bem disposto. Como de costume, antes de receber alta, fez uma consulta comigo.
- E você, o que fez? Contou o tipo de mulher que era sua esposa?
- Não! Minha missão é juntar e não separar as pessoas. Entretanto, devido ao juramento dos meus olhos ao Cristo, não posso dizer uma mentira ou induzir uma pessoa ao erro. Isso se aplicava tanto a ele quanto à mulher. Por esse juramento, não podia trair o segredo dela. Aconselhei-o a ter paciência e carregar seu fardo da melhor maneira. Moacir voltou ao lar outro homem. Querendo recuperar o tempo perdido, dedicou-se ao trabalho e à vida doméstica, procurando amar aquela esposa que tanto o fizera sofrer. Júlia, porém, não correspondeu a esses propósitos. Moacir, que se tornara entusiasta do Mediunismo, procurou doutrinar Júlia, mas esta demonstrou verdadeira aversão ao Espiritismo. O pior é que ele, agora, se tornara mais inconveniente para ela. Seu amante era inquilino do casal, morava num quartinho alugado, nos fundos da casa. Isso provocava situações embaraçosas, e a vida virou um inferno, pior do que antes. Chegou o dia em que, não podendo mais suportar a mulher, Moacir saiu de casa, e foi morar na casa de um amigo recente, médium da Corrente, que tinha três irmãs solteiras. Seis meses depois, Moacir se apaixonou por uma delas, Elza, a mais velha, já com trinta e seis anos. Correu a me pedir conselho, e vi que Elza era usa alma gêmea, e Moacir o seu primeiro amor. A partir daí, entrei naquela faixa difícil de ter que decidir as coisas para os outros, e me debater entre a razão e o coração. Diante de mim estavam dois seres apaixonados, inteiramente confiantes nos meus conselhos. Caso Moacir se casasse com Elza, ele se equilibraria e se libertaria até mesmo dos ataques epilépticos, por muito tempo. Por sua vez, Elza viera a este mundo quase que, exclusivamente, para ser suporte de Moacir, ajudando-o a percorrer o resto de seus dias. Percebendo minha vacilação em decidir suas vidas, todos os dias ela me procurava e me pedia que autorizasse o casamento deles no Templo. Se eu negasse, estaria, tranqüilamente, cumprindo com meu dever moral, sem me sujeitar a qualquer crítica. Mas, desaconselhando, estaria interferindo no livre arbítrio do casal e no destino cármico da outra personagem, Júlia, sua cobradora e esposa. Que fazer numa situação dessas?
- E como decidiu? – perguntei.
- Estava nessa agonia, vivendo o problema dos dois, todos os dias, quando minha querida Mãe Etelvina, a profetiza de nossa tribo, teve pena de mim e veio em meu socorro, pedindo que dissesse a eles que seu casamento era do gosto de Pai Seta Branca! Meu alívio foi grande. Por prudência, pedi aos dois um prazo de trinta dias, pois iria tentar obter o desquite de Júlia e Moacir, embora soubesse que iria ser duro consegui-lo. Enquanto isso, Júlia já estava começando a se desiludir do amante, e se arrependeu de ter deixado Moacir sair de casa. Tanto que negou o desquite. Quando comuniquei este fato a Elza e Moacir, eles não titubearam. Pediram a minha bênção e foram embora de Brasília, indo começar nova vida na fazenda da mãe de Elza.
- Neiva, – disse eu – só quero fazer uma pergunta: Júlia e Moacir eram casados ou, apenas, vivam juntos?
- Casados, Mário, casados com todos os sacramentos. Como é difícil a gente ter que decidir entre uma visão real, autêntica, das coisas, e outra, a social. De acordo com o padrão comum de referência, eu nunca poderia ter sancionado aquela irregular situação social. Problemas como esse se apresentam a mim quase todos os dias...
- É, Neiva, isso sugere inúmeras reflexões. Realmente, tenho visto o número de casais irregulares, perante a sociedade, que vive em torno de nós, e aceitamos isso com naturalidade. Qual, realmente, a nossa posição diante da família?
- Nossa posição é muito segura e bem definida. A família, o lar, na presente faixa evolutiva da humanidade, é o lugar de maiores reajustes. Não que esse núcleo da vida social não o fosse assim, antes. Só que, na presente situação cármico-mediúnica, os reajustes adquirem aspecto mais contundente, de atritos mais violentos e o problema é mais generalizado. O que dá maior realce a esses reajustes é, justamente, a visão irreal do problema. A simples posição de pai ou de mãe não torna uma pessoa necessariamente boa ou má. Digamos que exista, atualmente, uma instituição exagerada, uma estereotipação, um papel demasiadamente compulsório. Vemos o pai, a mãe e os filhos, mas não se vêem os seres humanos que estão por trás de cada um. Com o relaxamento dos costumes e hábitos familiares, é perfeitamente natural que as pessoas tenham mais oportunidades de serem elas mesmas, e manifestarem suas tendências boas ou más. É preciso, pois, que olhemos, antes de mais nada, o ser humano, o espírito com sua trajetória cármica e sua posição em relação aos familiares. Só o reconhecimento objetivo dos verdadeiros papéis de cada um dos componentes é que pode levar à elaboração de um juízo das ações de cada um dos membros. Repare, Mário, como todas as queixas que se ouvem a respeito dos parentes, são justificadas pela ausência de um comportamento padrão. Queixam-se as esposas incompreendidas ou abandonadas: meu marido não pára em casa, não me dá dinheiro ou não me deixa tirar carteira de motorista. Dizem os esposos insatisfeitos: minha mulher vive no telefone, não cuida dos filhos, deixa as empregadas à vontade, etc. Na verdade, Mário, nada disso é realmente assim como eles dizem. O que existe é um fator de ação desconhecido, uma energia não percebida, agindo entre eles: o fator mediúnico. Ora, mediunidade e carma são acontecimentos paralelos. A mediunidade é uma energia que estabelece relação com o transcendental, isto é, o ser humano entra em contato com o mundo invisível do espírito mediante a energia mediúnica, ectoplasmática. Essa energia, atualmente, está mais ativa em face do fim da oportunidade, o fim dos tempos, como se diz.
- Você quer dizer com isso, Neiva, que os conflitos familiares, a desagregação familiar, o conflito entre pais e filhos, os desquites, os crimes por razão de família, tudo isso pode ser atribuído à mediunidade?
- Se falarmos em termos carma mais mediunidade, sim. Por exemplo: uma exemplar mãe de família vem se queixar do comportamento de seu filho. Ela sempre cumpriu com seus deveres maternos, dando aos filhos a melhor das oportunidades. Um de seus filhos, porém, transformou-se num marginal e vive infernizando sua vida, revelando profundo ódio por ela. Se olharmos o problema no plano puramente humano, nada, nenhuma filosofia ou lógica poderia justificar isso, concorda? Porém, se contarmos com o fator cármico-mediúnico, teremos novo panorama: o filho poderia estar em contato com entidades obsessivas, cobradores; ou teria seu psiquismo afetado pela mediunidade reprimida; ou, em encarnações anteriores fora repudiado por esta mesmo espírito que, hoje, está encarnado como sua mãe; ou se trataria de vítima de violências, até mesmo de morte, praticadas no passado por sua atual mãe; etc. São as hipóteses que se apresentam quando admitido o fator transcendental. Se conseguirmos verificar isso, equilibrar o psiquismo do rapaz, mostrar à mãe a dívida que ela tem com esse espírito, que hoje é seu filho, equilibrar o fator mediúnico dela, enfim, dar todo o amparo que a Ciência Espiritual pode dar, quando guiada pelo amor crístico, pelo Evangelho, podemos fazer com que o problema se dilua e, talvez, até desapareça. Você sabe, Mário, muitas vezes isso acontece em nosso trabalho!
- Sei que nós aqui, por meio da sua clarividência, podemos equacionar rapidamente um problema, Neiva. Mas, e os outros, que não dispõem de uma clarividente? Como agiria uma pessoa comum, que não conheça o Espiritismo ou o Mediunismo, ou pior, que tenha uma posição contrária a isso, e que, porventura, esteja lendo estas palavras?
- Você quer dizer alguém que tivesse problemas semelhantes a esse?
- Sim, uma pessoa que não acreditasse em Espiritismo, mas que estivesse vivendo a agonia de um problema familiar. O que poderia ela fazer para aliviar o seu quadro, tendo-se esgotado todos os recursos de seu meio?
- Mário, como funciona a mediunidade, como é seu mecanismo natural? Como as pessoas devem agir para sair de suas angústias, se o Espiritismo existente ainda é precário e não se dispõe de uma clarividente em todos os lugares e a qualquer hora?
- Entendo o fator mediúnico, basicamente, como um fator energético de origem material, isto é, matéria que se transforma em energia. A estrutura do sangue humano ainda não é suficientemente conhecida. Creio que, um dia, os cientistas irão admitir a presença do fator mediúnico no sangue. Na minha visão de leigo, na minha ignorância científica, tratar-se-ia de algum componente especial, de produção variável, dependendo de determinadas circunstâncias, diretamente relacionadas com o sistema nervoso, criadas nos chamados plexos nervosos. Assim, como a matéria se transforma em energia no sistema de nutrição das paredes intestinais, esse componente se transformaria em energia por ação do sistema nervoso. Uma vez iniciada sua produção, essa energia começa a agir, causando uma alteração psicossomática, cujos sintomas se relacionam com a parte do sistema nervoso onde predomina. Com isso, explicamos o que é mediunidade. Os sintomas produzidos passam, a princípio, como sintomas de estresse   ou de esgotamento, psicoses e todos os estados estudados pela Psiquiatria e pela Psicanálise, até atingir a esquizofrenia e a loucura total da pessoa.
- Mário, não se esqueça de que estamos procurando responde a indagações mútuas e que as respostas são para que pessoas comuns, e não cientistas, as entendam. Sua explicação está muito boa, mas, lembre-se, eu apenas perguntei como funciona a mediunidade, no seu aspecto natural, sem a premissa da Ciência Espiritual.
- Bem, acho que tem razão, mas me parece difícil explicar um funcionamento sem entrar no seu mecanismo. Vamos, então, tratar o assunto com uma visão mais exterior, mais comum. Todos os seres humanos apresentam distúrbios psicológicos e físicos, e isso acontece independentemente de Espiritismo ou da admissão de qualquer fator dito sobrenatural. Quando os fatores se apresentam, o clínico, seja psiquiatra ou não, examina os sintomas e os classifica, segundo conceitos estabelecidos pela Medicina. Mas, quem pode avaliar os problemas de conflitos entre as pessoas? O sacerdote, o professor, um livro ou uma filosofia? Na verdade, os conflitos familiares não encontram explicações que, pelo menos, amainem ou que os resolvam, dentro da ciência médica atual. Volto, agora, à mediunidade. O conflito, principalmente em família, produz uma série de alterações no comportamento do indivíduo na sociedade. É o homem que brigou com a esposa, e chega ao trabalho nervoso e intolerante; o estudante que falta à aula e vai para o cinema, sendo reprovado nos exames; é a mãe de família, que se sente solitária e infeliz, e cai em choro, sendo amparada por sua vizinha, etc. Quando a família se reúne para uma refeição, ou em seus quartos de dormir, enfim, quando há um encontro familiar, acontecem explosões de ira ou de revolta. São discussões violentas, educadas ou não, as ironias e, até mesmo, as agressões físicas. Em seguida, ocorre uma bonança temporária. Parece que aquele confronto provocou algumas modificações nas pessoas envolvidas, todos entram num período de calma e sobriedade. Entretanto, nenhum problema foi resolvido, nenhuma solução foi encontrada. Houve, apenas, uma descarga nervosa, uma exaustão da tensão, que pode durar horas ou dias. Na verdade, Neiva, o que houve foi uma “passagem” de espíritos, uma transferência, mediante a carga energética que se produziu no ambiente. Esse é um dos aspectos de funcionamento da mediunidade natural.
- Creio, Mário, que isso não responde à minha pergunta. Afinal, o mesmo mecanismo de tensões e descargas nervosas é comum, e qualquer pessoa sabe que, se extravasar sua ira, ela se descarrega e se abranda. Não creio que isso denuncie a presença de fatores espirituais, pelo menos para quem não acredita na existência dos espíritos.
- Não estou procurando provar a existência dos espíritos, Neiva. Estou, apenas, querendo demonstrar o funcionamento do fator mediúnico. E é justamente pelo seu funcionamento natural que ele prova sua existência. Afinal, estou afirmando que se trata de um fator biológico. Mas entendo o que você quer dizer: como levar as pessoas a admitirem que o fato, embora comum, tem características extraordinárias, fora do senso comum? É quando esses fatos se repetem e levam as pessoas ao comportamento anormal, a doenças, neuroses, psicoses, esquizofrenia e à loucura. Quero dizer, a partir do momento em que o problema extravasa o âmbito familiar e é levado ao médico, ao psiquiatra, à delegacia ou à prisão. É assim que ele se apresenta para o Espiritismo. As pessoas, atualmente, só procuram o Espiritismo quando já esgotaram todas as formas conhecidas para a solução de seus problemas. A dificuldade que encontram é, justamente, a especialização das ciências humanas. Falta uma ciência global do Homem, suficientemente sintética, e existe desconhecimento da psique humana. Afinal, a humanidade ainda engatinha nos filósofos gregos ou nas tecnologias inócuas. É por isso, Neiva, que urge levar essas idéias para a massa. Mas, levá-las como são, idéias do natural e não idéias do sobrenatural. Acho mesmo que o conceito de sobrenatural é que tem impedido um maior número de pessoas de resolverem seus problemas. Se as pessoas admitirem a presença de um fator natural, porém desconhecido, nos seus conflitos, no presente caso, na família, creio que esses conflitos teriam outra direção, ou aconteceriam de maneira diferente. Quem de nós já não participou de conflitos assim? E quantos já repararam que, após um episódio triste, ficam confusos, com remorsos, e não conseguem entender o porquê do acontecido? É verdade que, quase sempre, a gente põe a culpa do que aconteceu nos outros, mas podemos ouvir uma voz interior nos dizendo que também tivemos culpa no que ocorreu. E procuramos abafar esta voz com arrazoados e comportamentos extremados, chegando até ao uso de drogas e tóxicos. Concluímos que não existe lógica nesses conflitos e, muito menos, nas relações humanas em geral. O que se disse até aqui é tão somente a verificação do fenômeno mediúnico em seu aspecto negativo. A outra face são os ambientes que se formam pelos hábitos, preconceitos e conceitos religiosos. A história da humanidade está cheia de relatos de milagres e acontecimentos congêneres. Acrescente-se a isso os fatos de inspiração artística ou científica, os trabalhos criativos, e poderemos entender um pouco da mediunidade em seu funcionamento natural, normal, fisiológico e humano.
- Creio que com isso, Mário, teremos respondido parcialmente à questão. Se maior número de pessoas aceitarem a presença de um fator oculto nas relações humanas, principalmente nos grupos mais ligados, próximos e familiares, acho que encontrariam a solução para seus conflitos. Por outro lado, a admissão desse fator levaria as pessoas a estudarem melhor a si mesmas e ao interesse pelas coisas do espírito.
- É, Neiva, creio que isso seria um passo à frente na diminuição do sofrimento humano. Uma coisa me ocorre agora: você notou o estranho fato de que a reencarnação está sendo, cada vez mais, admitida pela Ciência? E que, justamente, a reencarnação, que afronta a Teologia tradicional e que é difícil de aceitar, está sendo admitida com mais facilidade do que a mediunidade?
- De fato, Mário, muita coisa estranha está acontecendo. A verdade é que estamos no fim de uma era civilizatória, e muitos fatos, aparentemente novos, estão sendo aceitos pela Humanidade. O principal é que haja, sempre, focos de Luz Crística disponíveis para os que buscam a Luz. Mantenhamos nossa lâmpada acesa e sigamos em frente!...

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